Inércia do locador dispensa loja de pagar reajustes retroativos
Loja de shopping não terá pagar reajuste, que apesar de previsto em contrato, não foi cobrado pelo locador
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu, porém, que a omissão da locadora quanto ao reajuste nos cinco anos anteriores não a impede de cobrá-lo ao longo do tempo restante do contrato.
A decisão teve origem em ação declaratória de inexistência de débito proposta pela Havan contra a empresa responsável pela gestão e locação dos espaços comerciais do shopping. Segundo a loja de departamentos, ela e a empresa imobiliária firmaram contrato com prazo de 20 anos, tendo sido ajustado o aluguel mínimo de R$ 53,3 mil ou 2% do faturamento da loja, prevalecendo o que fosse maior.
A Havan relatou que sempre quitou os aluguéis em dia, mas foi surpreendida por notificação extrajudicial com a cobrança de R$ 361,9 mil, relativos a reajustes contratuais automáticos de 5% ao ano — os quais nunca teriam sido cobrados —, além da respectiva correção monetária e de um reajuste do aluguel mínimo para R$ 80,9 mil.
Na ação, a loja de departamentos sustentou que a inércia da locadora em aplicar os reajustes contratuais anuais leva à aplicação do instituto da supressio, tanto em relação aos retroativos quanto em relação aos valores posteriores à notificação extrajudicial.
A supressio inibe um direito em razão do seu não exercício pelo credor no curso da relação contratual, criando no devedor a crença de que não será mais exercitado.
Em sua defesa, a locadora alegou que não é razoável pressupor que a Havan, empresa de grande vulto e experiente no ramo dos negócios, entendesse que a falta de cobrança dos reajustes anuais representaria renúncia a tais valores pela outra parte do contrato.
O juiz de primeiro grau julgou procedentes os pedidos da Havan para declarar a inexistência de dívida relacionada aos retroativos dos reajustes não cobrados e a inexigibilidade do reajuste anual nos aluguéis dos 15 anos restantes do contrato.
No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça do Paraná acolheu o pedido da locadora para manter o reajuste a partir da notificação enviada à Havan, porém confirmou o veto à cobrança retroativa.
O relator do caso no STJ, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que, para a configuração da supressio, é necessário haver a inércia do titular do direito, além do transcurso de um tempo capaz de gerar a expectativa de que esse direito não mais será exercido. Também é preciso que esteja caracterizada a deslealdade decorrente do exercício posterior do direito, com reflexos no equilíbrio da relação contratual.
O ministro ressaltou que, de acordo com o TJPR, o locador não gerou no locatário a expectativa de que não haveria a atualização do valor do aluguel durante todo o período de 20 anos do contrato, mas tão somente deixou de cobrar os reajustes ao longo dos cinco anos iniciais, o que sugeriria que apenas o valor correspondente a esse período não seria mais cobrado.
"Não é razoável supor que o locatário tivesse criado a expectativa de que o locador não fosse mais reclamar o aumento dos aluguéis. Assim, o decurso do tempo não foi capaz de gerar a confiança de que o direito não seria mais exercitado em momento algum do contrato de locação", afirmou Villas Bôas Cueva.
O ministro também salientou que violaria o princípio da boa-fé objetiva, a ser observado quando da aplicação da supressio, obrigar a empresa imobiliária a deixar de cobrar o reajuste nos 15 anos ainda restantes para o término do contrato com a loja.
"Impedir o locador de reajustar os aluguéis pode provocar manifesto desequilíbrio no vínculo contratual, dado o congelamento do valor pelo tempo restante da relação locatícia. Em vista disso, a aplicação da boa-fé objetiva não pode chancelar desajustes no contrato a ponto de obstar o aumento do valor do aluguel pelo tempo de 20 anos", disse o relator.
"A solução que mais se coaduna com a boa-fé objetiva é permitir a atualização do valor do aluguel a partir da notificação extrajudicial encaminhada ao locatário e afastar a cobrança de valores pretéritos", concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.
- Fonte: Revista Consultor Jurídico, 2 de janeiro de 2020
- https://www.conjur.com.br/2020-jan-02/inercia-locador-dispensa-loja-pagar-reajustes-retroativos
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